3 de novembro de 2020

Se...


"Se é possível conservar a juventude
respirando abraçado a um marco do correio;
Se a dentadura postiça se voltou contra a pobre senhora e a mordeu
deixando-a em estado grave;
Se ao descer do avião a Duquesa do Quente
pôs marfim a sorrir;
Se Baú-Cheio tem acções nas minas de esterco;
Se na América um jovem de cem anos
veio de longe ver o Presidente
a cavalo na mãe;
Se um bode recebe o próprio peso em aspirina
e a oferece aos hospitais do seu país;
Se o engenheiro sempre não era engenheiro
e a rapariga ficou com uma engenhoca nos braços;
Se reentrante, protuberante, pertubante, 
Lola domina ainda os portugueses;
Se o Jorge (o «ponto» do Jorge!) tentou beber naquela noite
o presunto de Chaves por uma palhinha
e o Eduardo não lhe ficou atrás
ao sair com a lagosta pela trela;
Se «ninguém me ama porque tenho mau hálito
e reviro os olhos como uma parva»;
Se Mimi Travessuras já não vem a Lisboa
cantar com o Alberto...

...acaso o nosso destino, tac!, vai mudar?"



Alexandre O'Neil
in Poesias Completas

Sem comentários: