27 de outubro de 2020

Reaprender o espanto


"Precisamos de reencontrar o espanto.

«Espanto» deriva do latino expaventare, que descreve a forte impressão originada por uma coisa inesperada e repentina.
Se procuramos sinónimos, encontraremos «assombro», «admiração», «surpresa».

É o contacto (consciente, fulgurante, desarmado, rendido) com a vida maior do que nós, a vida em aberto, não predeterminada.

No espanto, a nova e surpreendente expressão da vida prende a nossa atenção à maneira de um relâmpago, de um rasgão imprevisível. Não conseguimos encaixá-la no nosso quadro habitual, pois o seu carácter inédito torna inúteis todos os saberes.

Gosto muito da definição de espanto dada por Adorno: «Espanto é um longo e inocente olhar sobre o objeto.»
É, de facto, um «olhar longo», e isso talvez explique porque consideramos hoje tão pouco o espanto, num tempo que nos programa para olhares breves, relances, observações fugidias e utilitárias, cada vez mais simplificadas.
E é um «olhar inocente». isto é, aberto à revelação do próprio objeto, ao que ele pretende de nós e não ao que imediatamente pretendemos dele.

O espanto obriga-nos a uma revisão do que sabemos de nós próprios e do mundo.
Obriga-nos a recomeçar, como se fosse um nascer.
O amor, o conhecimento, a poesia ou a santidade principiam com ele."



José Tolentino Mendonça
in O pequeno caminho das grandes perguntas

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